Mineradora age com demissões, retaliações à carreira e assédio moral
para quem tenta formar uma chapa de oposição
Há 20 anos não existiam eleições para concorrer à presidência do sindicato Metabase de Carajás, no Pará – maior sindicato mineiro do país, com aproximadamente 11.500 operários em sua base, dos quais cerca de 4 mil são filiados.
Neste período, os pleitos foram marcados pelo discurso da Vale e do próprio sindicato que sempre alegaram a inexistência de um grupo de trabalhadores na oposição. Entretanto, o surgimento de uma chapa contrária em 2014, trouxe à tona todos os componentes reais que tornou inoperante a democracia sindical entre os trabalhadores da Vale, na maior província de minério de ferro do mundo.
A eleição, que ocorreria na segunda quinzena de agosto do ano passado, se arrasta há cinco meses com idas e vindas na Justiça, sem definição.
É a primeira vez, nessas duas décadas, que um grupo de trabalhadores conseguiu inscrever uma chapa para eleição sem ser derrotada nos bastidores. Segundo os trabalhadores, a mineradora Vale age com demissões, retaliações à carreira dentro da empresa e assédio moral para quem pensa ou tenta formar outra chapa.
Para conhecer os personagens dessa história, a reportagem do Brasil de Fato entrou nos meandros da interminável eleição de 2014. De um lado, Macarrão, que representaria todos os interesses da Vale, e há 15 anos preside o sindicato. Do outro, Anízio, o jovem pastor evangélico, que ganhou a preferência da categoria e ameaça por um fio atual “reinado”.
Tudo isso, em meio às formas de coerção de uma das maiores mineradoras do planeta para impedir e compelir um dos principais direitos dos trabalhadores: o de discutir e pleitear seus direitos perante uma representatividade de classe viável pelo sindicato.
Varrendo a oposição
O ano de 2014 começou com demissões na Vale, em Carajás. Três funcionários da empresa foram demitidos. O motivo? Suspeitos de estarem organizando uma chapa para disputar a eleição do sindicato. Entretanto, foi somente em julho, que a investigação interna da empresa chegou ao nome que ameaçaria a supremacia de 20 anos do Metabase de Carajás: Anízio Alves Teixeira.
Rapidamente, em 9 de julho, Anízio estava recebendo sua primeira demissão da Vale, tendo de ser readmitido no mesmo dia, pois estava lesionado e não poderia ser desligado da empresa. O funcionário tinha sofrido um acidente dentro da mineradora exatamente oito dias antes de sua demissão. A segunda tentativa de tirar Anízio do quadro de funcionários da Vale e impedi-lo de inscrever uma chapa de oposição não tardou. Após se afastar por recomendação médica por 19 dias para tratamento na coluna, o trabalhador voltou a ser demitido em primeiro de agosto de 2014.
“Pediram-me para comparecer no departamento de recursos humanos da Vale, e me entregaram o aviso de demissão. O funcionário responsável pelo setor disse que depois me ligaria pra falar sobre os exames e homologação, tomaram o meu crachá e me deixaram fazer terapias na clínica até cortarem o plano”, conta Anízio.
Sem motivo e sem lei
Nos dois avisos de demissão que Anízio recebeu não constava o motivo do desligamento. Tampouco a empresa tinha elaborado o Comunicado de Acidente de Trabalho (Cat) e realizado os exames de lesionado para rescisão de seu contrato trabalhista.
Dessa forma, 24 horas depois de receber o segundo aviso, sem manifestação da Vale, o “ex funcionário” voltou à empresa e pediu explicações, já que estava enfermo e não poderia ser demitido.
Sem a devida atenção da empresa, foi ao sindicato e cobrou que fosse feito o Cat. “Passei uma semana sendo jogado de um lado para o outro e no dia que seria possível fazer a homologação, estive no sindicato, que não tinha documentação alguma para mim”, revela.
Da Reprodução
Em meio à inexplicável e ilegal demissão, Anízio conseguiu numa das idas ao Metabase, tomar conhecimento das datas das eleições, até então mantida em sigilo entre Vale e Macarrão.
O funcionário não teve dúvida, utilizou seu celular para fazer uma foto do comunicado, que continha as informações e publicou para todos os trabalhadores da mineradora, convocando para formar a Chapa 2, assim intitulada.
“Foi sufoco, o presidente do pleito amigo e convidado do Metabase de Carajás e a comissão eleitoral formada por uma só pessoa, negaram o pedido após 3 dias de nossa inscrição, justificando que eu já era demitido e que 5 membros de nossa chapa eram inadimplentes e 3 não tinham 24 meses de filiados”, rememora o persistente Anízio.
No entanto, o estatuto do sindicato Metabase de Carajás, elaborado pelo próprio grupo que está no poder há 20 anos, diz no artigo 8, que em caso de demissão involuntária, o fiado tem quatro meses com todos os direitos garantidos perante a entidade.
“E mesmo que fosse verídica a minha demissão, o aviso prévio seria de 54 dias, o que compreende que na data da inscrição da chapa até o período das eleições estaria dentro do prazo. E para resolver o problema dos acusados de inadimplência retiramos os 24 contra cheques que mostravam os descontos em folha, já os que não teriam tempo de 24 meses de contribuição, a CLT garante que pra votar e ser votado são seis meses de contribuição e 24 meses dentro do território do sindicato, e todos têm mais de cinco anos na empresa, ou seja, estávamos aptos.”
Todavia, quando foram entregar a documentação para a comissão eleitoral tiveram a seguinte resposta: “Temos orientações para não receber nada de vocês, podem procurar a Justiça”, lembra Anízio.
Justiça da Vale
Ao mandar a disputa para a Justiça, a Vale estaria usando mais uma de suas artimanhas para perpetuar seu grupo no Metabase de Carajás.
Dessa forma, a Chapa 2 entrou com um processo pedindo uma ação cautelar na primeira instância, que a garantiu no processo eleitoral. Ao contrário, a chapa de Macarrão, articulou um mandado de segurança na segunda instância e perdeu.
Com a decisão, a trupe de Macarrão não desistiu e entrou em seguida com um agravo regimental. “De maneira atípica foi julgado com uma rapidez impressionante, e na primeira seção onde só tinham sete dos 11 desembargadores, perdemos por 6x1”, denuncia Anízio. Agora, o processo será julgado na Justiça do Trabalho no próximo dia 27 de janeiro, quando sairá o resultado da decisão da ação, que solicita o registro definitivo da Chapa 2 nas eleições.
Eleição forçada
No andar da carruagem e com a situação ainda sem controle, embora a Justiça até o momento tenha inviabilizado a Chapa 2, nos dias 4 e 5 de dezembro de 2014 Macarrão convocou as eleições.
Urnas foram espalhadas pelas portarias, ponto de encontro de funcionários e nos refeitórios da empresa Vale com mesários e forte esquema de segurança. O resultado demonstrou por que a mineradora tem se empenhado tanto para barrar o processo eleitoral.
Dos 3.403 mil eleitores aptos a votar, a chapa de Macarrão, precisaria de 1.702 votos (50% mais um). Porém, só votaram 82 pessoas. Boicotaram o pleito armado por Macarrão 3.321 trabalhadores (97.6%). Na saída de um dos turnos, os funcionários pedindo para não serem identificados expressavam a vontade de mudança. “Macarrão de novo não, chega!”, disse um rapaz apressado fazendo o gesto de negativo com o polegar.
Outra moça, cobrindo seu crachá para não ter seu nome reconhecido, também rechaçou. “Eu não votei, quando vi era a turma do Macarrão organizando, vou votar na Chapa 2, quando tiver a eleição verdadeira.”
Caso tivesse consolidado as eleições como tentou a atual e perene diretoria do Metabase de Carajás seria o quinto mandato consecutivo de Macarrão utilizando a mesma tática.
Com um detalhe, conforme tomaram o sindicato sem nenhuma predisposição democrática, aumentaram a permanência na presidência de dois para cinco anos.
Contudo, numerosa parte dos trabalhadores articulou uma campanha denominada: “Não votamos em ditador, votamos na democracia!”. “A categoria em peso aderiu e não teve votos suficientes pra eleger uma chapa única mais uma vez ilegal na história do sindicalismo de Carajás”, comemora Anízio.
Currículos opostos
Anízio chegou a Parauapebas nos anos 2000, vindo de outras regiões do Pará. Em 2004, começou a trabalhar numa empresa terceirizada da Vale. Em 2006 foi contratado diretamente pela mineradora. Com uma tradição sindical de família, que fundou sindicatos rurais em Minas Gerais e no Maranhão, se filiou ao Metabase de Carajás no mesmo período.
Na primeira assembleia que participou, no final de 2006, sentiu vontade de mudança. “Na reunião sobre os acordos coletivos, os trabalhadores estavam no meio da quadra e os chefes da Vale todos de olho e o presidente do sindicato disse: ‘Pessoal, depois de muita luta e discussão, isto foi o melhor que conseguimos, ou a gente aprova do jeito que está ou perdemos tudo’, aquilo foi ridículo, um clima de opressão”, relembra.
Raimundo Nonato Amorim, o Macarrão, há mais de uma década presidindo o sindicato Metabase teria apenas uma missão na entidade: assegurar toda a ideologia da Vale perante qualquer anseio de mudança da categoria.
As reivindicações dos funcionários em relação a benefícios e salários, em todos esses anos de domínio no sindicato, que demandaram negociações e acordos, foram redimensionadas por sua diretoria a favor da Vale.
O mais emblemático exemplo é o caso das horas in itinere. Em 2010, 120 trabalhadores entraram com uma ação coletiva de trabalho para receber 96 meses do tempo do trajeto de suas casas até as minas, que a Vale não pagava.
Num acordo feito entre Macarrão, a Vale e a desembargadora Francisca Formigosa foram pagos apenas 42 meses.
Com o Brasil de Fato
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