Jéssica Oliveira | 29/05/2014 14:15
22 de maio de 1979, Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA): "Os jornais vão noticiar a greve". A frase foi dita por Emir Macedo Nogueira (1927-1982), então editor de opinião da Folha de S.Paulo, sobre a greve dos jornalistas. Naquela noite, 1.692 profissionais decidiram a favor da paralisação da categoria. Os dias seguintes mostraram que ele estava certo.
Crédito:Arquivo / Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP)
Parte do especial de 30 anos da greve feito pelo jornal do sindicato, o Unidade
"Era muito desagradável chegar em casa de madrugada e a primeira coisa vista na porta era o jornal dobradinho. Era o fracasso ali. Não conseguimos nem impedir que os jornais saíssem. Como vamos convencer as pessoas?", lembra Juca Kfouri, 35 anos depois. Na época ele trabalhava na revista Placar, era da diretoria do sindicato de jornalistas e membro do comitê da greve.
Assim como Kfouri, Sandro Vaia, então editor de esportes do extinto Jornal da Tarde, viu o movimento nas manchetes, e entendeu o “recado”. "Estávamos lá [no 'bar do Alemão', na avenida Antártica] tomando nosso chope habitual quando apareceram três dos quatro filhos de Ruy Mesquita, diretor do JT, com uma pilha de jornais debaixo do braço. Eles distribuíram de mesa em mesa um exemplar recém-impresso com a manchete "Jornalistas de SP estão em greve".
O recado deles, com aquele gesto, era bastante claro: 'Vocês estão em greve, mas o jornal está na rua; quem precisa de vocês?' Era uma ironia. Sorrimos. O que mais podíamos fazer?", recorda.
Segundo ele, toda a redação do JT compareceu às assembleias e a maioria decidiu votar contra a greve, por considerá-la "inoportuna" e por achar a condução do sindicato um tanto "imprudente", mas, no fim, a equipe do periódico aderiu à paralisação.
A greve nas páginas do jornal Unidade
Jornalistas votam na Igreja da Consolação
Do ABC para as redações
Os jornalistas de São Paulo reivindicavam 25% de aumento salarial e imunidade para os representantes sindicais nas redações. Mas, segundo Kfouri, o movimento foi inspirado muito mais nos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) que cruzaram os braços, sob a liderança do então líder sindical Luis Inácio da Silva, o Lula, do que nas reivindicações dos jornalistas.
"Queríamos fazer como os metalúrgicos. Vimos aquilo crescer, aquelas assembleias monstruosas, com uma voz que ia além da questão trabalhistas, que confrontava com a ditadura. Sei que pode parecer infantil, mas era mais do que isso, era uma coisa generosa", afirma.
Contrário a esse pensamento, estava principalmente a voz de Nogueira, que chamava a paralisação dos jornalistas de aventura. “Ele era a voz sensata, calma e tranquila, que dizia que estávamos bancando uma aventura. E estávamos. Era vaiado cada vez que ia falar, nunca perdia a compostura. Tentavam fazer que a voz dele não fosse ouvida, mas não tinha uma pessoa que não o respeitasse. Uma figura admirável, por quem eu tenho grande saudade”, diz Kfouri.
Tanto na assembleia do Tuca no dia 22, quanto na Igreja da Consolação no dia 17 de maio e com a presença de 1500 profissionais, Nogueira foi vaiado, insultado e xingado, segundo o seu filho Paulo Nogueira, à época redator da Folha da Tarde, hoje diretor editorial do site Diário do Centro do Mundo.
“Eu era um garoto de 22 anos e foi complicado ouvir sentado os insultos a meu pai. Nunca me perdoei inteiramente pelos murros que não dei, mesmo sabendo que teria sido uma besteira monumental, uma afronta ao meu próprio pai, que compreendia o drama do momento e ouvia os xingamentos com absoluta calma”, afirma.
O plano secreto
Na mesma noite da constatação fatídica de Nogueira, Kfouri tentou acalmar os presentes no Tuca e anunciou que havia um “plano secreto para parar os jornais”, história que, segundo ele, o “constrange”.
“Havia um núcleo operações não ortodoxas para garantir que a greve seria bem-sucedida. O responsável por esse núcleo disse: ‘pode garantir que amanhã não haverá jornais”, explica. Mas, ao final da assembleia, soube que o plano era jogar óleo na pista de Marginal para impedir que os caminhões passassem. “O plano foi imediatamente abortado, claro”.
Na manhã seguinte, no Tuca aconteceu exatamente o que previu Nogueira: a greve nos jornalistas foi noticiada. “Não me arrependo de ter participado da greve. Sei exatamente porque fiz e me orgulho, mas é claro que hoje olho aquilo como um equívoco", afirma Kfouri.
Crédito:Arquivo / SJSP
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Entre o início e o fim
Para garantir o sucesso da greve, além das assembleias, houve reuniões quase diariamente no sindicato dos jornalistas, na região Central de São Paulo, e piquetes nas portas das redações para impedir a entrada de colegas e pressionar os que trabalhavam.
Vaia recorda o que ouviu de um colega algo engraçado durante o piquete na porta do Estadão. Os grevistas chamavam o jornalista Luiz Fernando Emediato sob os gritos 'Luiz Fernando Emediato, desça daí emediatamente'. "Era uma piada, em forma de trocadilho. Ele se orgulhava bastante da autoria de sua sacada e do seu bom humor", conta.
A mobilização foi grande, mas gráficos, funcionários administrativos e radialistas não pararam. Os periódicos estavam descaracterizados, mas circularam. Um a um, os jornais, rádios e TVs voltaram a circular com matérias "cozinhadas" ou já publicadas.
No dia 28, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) julgou a greve ilegal. Após a decisão, as empresas demitiram pelo menos 220 grevistas, segundo o texto "Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político", de Marco Antônio Roxo da Silva, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
"O clima oscilou entre a mais delirante euforia (antes da greve) e a mais cava depressão (depois)", resume Paulo Nogueira. “As empresas aproveitaram a greve reduzir substancialmente seus quadros, uma vez que perceberam que dava para fazer o jornal com menos gente. Nunca mais as redações voltaram aos níveis pré-greve". (Com o Portal Imprensa)
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